O casamento de Maria e José, que têm dois filhos, não vai bem. Ambos decidem pôr fim ao matrimônio e se divorciam. A mulher ficou com a guarda dos filhos. Passados dois anos, Maria conhece João, um jovem que cuida, sozinho, da filha de doze anos. Ambos decidem viver em união estável e, em dez meses, Maria engravida e a família cresce um pouco mais. A essa conformação familiar damos o nome de família reconstituída ou família mosaico.
Esse conceito de família mosaico surgiu como resultado de um processo histórico de transformações nas estruturas familiares, o que se refletiu diretamente no Direito Brasileiro. Esse tipo de núcleo familiar nasceu da reorganização de vínculos afetivos anteriores, fenômeno que se intensifica com o aumento dos divórcios. Como consequência, observa-se uma configuração familiar mais diversificada, que inclui, além dos cônjuges ou companheiros, os filhos que cada um traz de relações anteriores.
Essa nova realidade impõe desafios ao ordenamento jurídico, especialmente no que se refere à socioafetividade e sua aplicação dentro dessa composição familiar ampliada. A questão não se restringe apenas às relações entre padrastos, madrastas e enteados, mas alcança também os vínculos entre os filhos não comuns dos parceiros, levantando a possibilidade de se reconhecer laços socioafetivos entre irmãos, ainda que não consanguíneos.
Por outro lado, autoridade parental (alguns estudiosos do direito a chamam de poder familiar, antigamente chamado de pátrio poder) é a responsabilidade que os pais têm de cuidar e educar seus filhos, tomando as melhores decisões, além de, é claro, protegê-los.
A questão a se saber é até que ponto um pai ou uma mãe, dentro da família mosaico, têm responsabilidade em relação aos filhos que não gerou.
É do artigo 1.636, do Código Civil, que “o pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro”.
Em outras palavras, o pai “originário” não perde esse poder/dever em relação aos filhos. Mas e o padrasto e a madrasta?
Apesar de conviverem com os filhos do cônjuge/companheiro, a madrasta ou padrasto não exercem, de ordinário, a autoridade parental sobre eles, salvo a exceção de que tenha havido o reconhecimento (que não é automático) da chamada paternidade/maternidade socioafetiva.
Explicando melhor, a maternidade/paternidade socioafetiva (ou filiação socioafetiva), é o reconhecimento jurídico da relação familiar entre uma mãe (ou pai) e uma criança, baseada em um vínculo de afeto e convivência, mesmo sem um vínculo biológico ou consanguíneo. É uma forma de parentesco civil, que reconhece a importância do afeto e da relação parental para o desenvolvimento da criança, e que pode ser reconhecida em uma ação judicial ou mesmo extrajudicialmente, através de registro civil, desde que haja comprovação do vínculo afetivo.
Em síntese, segundo o artigo legal citado, na família mosaico a figura da madrasta e do padrasto é exercida, mas sem o direito de interferir no exercício da autoridade parental do seu cônjuge ou companheiro com os filhos somente deste. Porém, o que se percebe na prática, o que é valorizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 19, ao falar sobre a importância do vínculo afetivo e o ambiente familiar seguro) é que muitas vezes essa nova composição familiar desenvolve um novo arranjo interno, havendo mostras, portanto, de que essa interferência de padrasto e madrasta pode acontecer de maneira positiva.
Equipe Brüning