Internet, vilã e heroína:A internet nos trouxe o ônus e o bônus de uma vida mais conectada. Conversamos com amigos pelo WhatsApp a qualquer hora; de madrugada, quando o sono nos abandona, podemos nos embalar por histórias, músicas, uma missa ou até uma mensagem budista, tudo na ponta dos dedos.
Mas, como tudo na vida, os bônus vêm acompanhados de ônus: sono prejudicado, invasão da vida privada pelas tarefas profissionais, golpes virtuais e outros problemas que fazem parte do preço que pagamos pela hiperconexão.
A economia compartilhada: Nesse jogo de vantagens e riscos surge o que os economistas chamam de “economia compartilhada”: um modelo que se baseia no acesso coletivo a bens e serviços, em vez da posse individual, impulsionado por plataformas digitais como Uber, Airbnb e iFood.
Seus princípios norteadores são:
- Colaboração: pessoas colocam serviços à disposição de outras;
- Uso eficiente de ativos subutilizados: bens e serviços pouco aproveitados ganham espaço no mercado;
- Redução de desperdícios: o aproveitamento aumenta em benefício da economia e da sociedade;
- Foco no acesso em detrimento da posse: valoriza-se a experiência do uso em vez da propriedade formal.
Quando a realidade frustra: Isabel alugou uma casa no Airbnb para a virada do ano, mas encontrou um imóvel completamente diferente das imagens do aplicativo: Hugo, a caminho do trabalho, sofreu um acidente no Uber; Nelson pediu refeição pelo iFood, mas recebeu o prato frio e atrasado. Esses exemplos mostram que, se a economia compartilhada nos traz facilidades, também exige respostas do Direito.
O contrato invisível: Vivemos cercados de contratos digitais que, muitos deles, por não terem toda a formulação contratual (como estamos acostumados com os negócios em papel) acabam sendo chamados, informalmente, de “contratos invisíveis”. Ao aderir a um serviço, celebramos contratos de adesão (art. 54 do CDC), nos quais não há negociação individual: o usuário apenas aceita ou recusa os termos. Mesmo que cliquemos sem ler, é fundamental nos assegurarmos do que contratamos e quais são nossos direitos.
O consumidor como protagonista: Desde a industrialização brasileira, nas décadas de 1960 e 1970, o Direito do Consumidor ganhou espaço, consolidando-se no CDC (Lei 8.078/1990). Hoje, é a principal proteção jurídica nas relações da economia compartilhada, reforçada pela Constituição Federal (art. 5º, XXXII, e art. 170, V). Essa legislação assegura que cláusulas limitativas sejam redigidas de forma clara e dá ao consumidor instrumentos para exigir responsabilidade.
Quem responde quando há problemas: Nos exemplos citados, a responsabilidade jurídica se distribui da seguinte forma:
- Airbnb: anfitrião e plataforma respondem solidariamente por informações incorretas;
- Uber: motorista, seguradora e plataforma podem ser responsabilizados;
- iFood: restaurante, entregador e plataforma compartilham a responsabilidade.
Ainda, quem responde: O art. 7º, parágrafo único, do CDC prevê solidariedade entre fornecedores. Além disso, o art. 14 do CDC adota a teoria do risco do empreendimento (isto é, quem se beneficia economicamente da atividade responde objetivamente pelos danos, independentemente de culpa). O STJ já entende que plataformas digitais não podem se eximir da responsabilidade alegando que são meras intermediadoras.
O futuro dos contratos: A internet transformou a noção de contrato. Se antes ele exigia papel, assinatura e cartório, hoje um clique basta para firmar negócios válidos juridicamente (art. 104 do Código Civil). Esse contrato eletrônico, embora instantâneo e dinâmico, deve respeitar requisitos de clareza, informação e equilíbrio.
Portanto, o futuro aponta para maior regulação e transparência das plataformas, equilibrando os interesses de consumidores, fornecedores e sociedade.
Equipe Brüning