Imagine que você seja um grande produtor de conteúdo digital, alguém que vive da internet. Ou que tenha adquirido criptomoedas, que são ativos que existem apenas no ambiente digital e que, muitas vezes, ficam armazenados em carteiras online ou em dispositivos físicos, como pen drives, acessíveis somente mediante senha pessoal.
Não há dúvida de que esses bens, moedas digitais ou até mesmo um acervo de conteúdo online, possuem valor econômico e, em caso de falecimento do titular, precisam ser inventariados e partilhados entre os herdeiros. Mas como fazer?
O desafio do Direito é que ainda existe um “vácuo” jurídico sobre o tema. O Código Civil brasileiro não prevê de forma expressa a chamada “herança digital”. Para se ter ideia, atualmente, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 4/2025, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco, que busca atualizar o Código Civil, introduzindo mudanças em diversas áreas, como capacidade civil, direitos da personalidade, registro civil, responsabilidade civil e contratos. O objetivo é modernizar a legislação, adequando-a às novas realidades sociais e tecnológicas e reforçando a proteção de direitos fundamentais e a segurança jurídica.
Entre as possíveis consequências dessa atualização, destacam-se:
- Criação de um Livro autônomo de Direito Civil Digital;
- Maior segurança jurídica para empresas e contratos, incentivando investimentos e o crescimento econômico;
- Simplificação de processos como divórcio e inventários, tornando-os menos burocráticos;
- Atualização da responsabilidade civil para abranger danos causados por novas tecnologias e prevenir comportamentos lesivos.
Voltando ao tema da herança digital, recentemente o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Autos nº 2.124.424 (3ª Turma), estabeleceu um importante precedente. Sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, foi reconhecida, ainda que sem previsão legal específica, a figura do “inventariante digital”. Trata-se de um profissional qualificado, sujeito ao dever de sigilo, autorizado judicialmente a acessar dispositivos protegidos por senha, elaborar um inventário detalhado dos conteúdos e, sob supervisão do juiz, separar o que tem valor patrimonial daquilo que deve permanecer como confidencial.
O caso analisado pelo STJ envolveu um acidente aéreo em que uma família inteira faleceu. A controvérsia girou em torno do acesso ao computador pessoal de uma das vítimas para verificar a existência de eventuais ativos digitais a serem inventariados.
Por se tratar de um tema sensível, o tribunal reforçou a necessidade de preservar o sigilo, já que dispositivos pessoais podem conter informações de caráter íntimo, como, por exemplo, detalhes de relacionamentos privados, que não dizem respeito aos demais herdeiros.
O julgamento ainda não foi concluído, mas o entendimento já aponta caminhos importantes para a futura regulamentação e administração da herança digital no Brasil.
Equipe Brüning