Prédio pode obrigar a fazer reconhecimento facial?

Vivemos um dilema, nada de novo, mas uma verdadeira encruzilhada: Optamos, ora pela liberdade e ora pela segurança? Zygmunt Bauman, genial filósofo polonês falecido em 2017, analisou o que considera a dicotomia da liberdade, com base no psicanalista Sigmund Freud: a civilização vive sempre uma troca – ao escolher a liberdade, é preciso abrir mão de certa segurança; ao escolher a segurança, é preciso abrir mão de certa liberdade. O uso de câmeras de segurança está nesse contexto em que a possibilidade de reconhecimento facial pode nos ajudar na segurança. Mas isso é bom até que ponto? Ao optarmos pela segurança, estamos abrindo mão da liberdade? E a lei, o que diz?

Fiscais da Segurança digital: Como se sabe, a tecnologia de reconhecimento facial avança em condomínios. Porém, ainda há um afrouxamento em relação às regras, sobretudo porque a fiscalização do cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – que trata sobre dados pessoais, inclusive nos meios digitais) é realizada pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD, órgão da administração pública federal – vide artigo 55-J da Lei 13.709/2018) e, também, pelo Ministério Público, este na condição de “guardião da Lei” (custos legis, consoante o artigo 127, caput, da Constituição Federal). Ambos, de certo modo, distantes da nossa vida cotidiana, sendo, portanto, extremamente importante que saibamos acerca de regras básicas sobre o tema.

Obrigatoriedade do reconhecimento facial: A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige que o consentimento para coleta de dados sensíveis, como a imagem facial, seja livre, informado e opcional. Na prática, no entanto, alguns condomínios não oferecem alternativas. O morador (aqui mais em caso de condomínio residencial) que não quiser fornecer o dado tem a possibilidade, pelo menos em tese, de exigir outra forma de acesso, como chave ou cartão (haja vista que a lei alude à faculdade de cessão de dados pela pessoa – vide artigo 7.º, I, da LGPD). Caso isso não ocorra, ele pode fazer uma denúncia para a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Riscos da biometria facial: O principal risco, sempre, é o vazamento dos dados. Imagine que o rosto de uma pessoa seja “exposto”, digamos na deep web. Diferentemente de uma senha, que pode ser alterada depois, como “alterar” o rosto após o vazamento? E mais, há golpes que unem CPF e rosto e tais dados podem possibilitar a autorização para empréstimos consignados, fraudes envolvendo a conta no “gov.br”, além de permitir a abertura de contas bancárias.

Falta de controle dos dados: Ao colocarmos nossos dados no sistema, como número de documentos e foto/vídeo, não sabemos como as informações são tratadas: se ficam em um arquivo no condomínio, se são operadas por sistemas terceirizados em que sequer o Síndico tem acesso ou prestação de contas. A facilidade de exposição das informações, como se percebe, é uma constante.

Exclusão dos dados: Como os dados não pertencem ao condomínio, é possível que, ao final da visita ao estabelecimento se possa solicitar a exclusão da biometria, mas, recomenda-se, que tal se dê por escrito como comprovação para eventuais futuros dissabores.

Demais pedidos sobre os dados: Imagine a hipótese, extremamente comum, de que você tenha autorizado a entrada de determinada pessoa ao edifício em que você mora. Digamos um parente, namorado/namorada e, agora, você precise desautorizar a entrada para evitar contratempos. Neste caso, e também em outras hipóteses (correção, acesso, confirmação de dados) também é possível, sempre por escrito, que se acione o síndico solicitando novo tratamento do registro e, caso este se recuse ou não o faça, pode-se abrir uma denúncia junto à ANPD (vide artigo 18 da LGPD).

Dados vazados, e agora: Na hipótese de vazamento ou suspeita de que os dados foram expostos, é possível, sempre documentando o pedido, primeiro solicitar esclarecimentos junto aos responsáveis (síndico) e, em segundo, registrar uma petição denunciando o ocorrido junto à ANPD, o que pode ser feito digitalmente.

Responsabilidade do Síndico: Na hipótese de que o síndico possa se organizar para os dados, é importante que ele, na condição de representante legal do condomínio e responsável legal por garantir que os dados estejam protegidos, saiba qual empresa está armazenando os dados, verificar se há política de proteção de dados, providenciar protocolo de exclusão segura, oferecer alternativa ao reconhecimento facial, controlar o tempo de armazenamento (há sindicatos de condomínios que orientam a um mínimo de um ano).

Em arremate, apesar da popularização do reconhecimento facial, ainda faltam transparência, regulação adequada e o consentimento real e a LGPD oferece fundamentação legal para que questionemos os sistemas de controle, onde muitos condomínios operam em um vácuo normativo, colocando em risco os dados sensíveis de moradores e visitantes.

Equipe Brüning

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