O Direito é uma Ciência Social que regula, essencialmente, relações humanas. Em síntese, grande parte dos conflitos interpessoais pode acabar (pode, porque depende de provocação da parte) no Judiciário. Entre os dilemas mais desafiadores para leis e decisões judiciais estão as causas relacionadas ao Direito de Família, especialmente as discussões sobre pensão alimentícia, guarda e abandono afetivo, que frequentemente chegam às Varas de Família. Dentro desse contexto, surge uma pergunta recorrente: a falta de pagamento da pensão alimentícia pelo pai pode justificar que a mãe negue a ele a convivência (“direito de ver”) com o filho?
Para responder, é necessário destrinchar dois conceitos básicos:
Pensão alimentícia: A pensão alimentícia do filho não é direito da mãe nem do pai, mas do filho, sendo obrigação (legal) de sustento que recai sobre os genitores e encontra amparo no artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O não pagamento pode gerar execução, penhora de bens, inscrição em cadastros de inadimplentes e até prisão civil (art. 528 do CPC). Em hipóteses graves, o não pagamento da pensão pode caracterizar abandono material (art. 244 do Código Penal).
Convivência familiar: A convivência é essencial para o pleno desenvolvimento emocional e social da criança. O Código Civil (art. 1.589) e o ECA (art. 19) asseguram a manutenção dos vínculos afetivos, guiados pelo princípio do melhor interesse do menor.
As obrigações são autônomas: O inadimplemento da pensão não retira, por si só, o direito de convivência. Sobre isso, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que: “O inadimplemento da obrigação alimentar não justifica a restrição ao direito de visitas, por se tratarem de institutos autônomos, ambos voltados ao interesse do menor” (STJ, AgRg no REsp 1378090/DF).
Portanto, o pai ou mãe inadimplente continua tendo direito à convivência, e o mais importante: é direito fundamental do filho manter o vínculo, receber carinho, zelo e companhia de ambos os pais. Não se pode condicionar a convivência ao pagamento de pensão.
Exceções: O Direito sempre exige reflexão. Existem situações excepcionais em que, visando o melhor interesse da criança, a Justiça pode restringir visitas. Isso ocorre apenas por decisão judicial, com contraditório e ampla defesa, quando demonstrado risco físico ou psicológico. Em casos extremos, o Poder Judiciário pode, inclusive, chegar à destituição do Poder Familiar (arts. 1.635 e 1.638 do Código Civil).
Cuidado com a alienação parental: Se um dos pais, ao invés de buscar o Judiciário, rompe unilateralmente a convivência, podemos estar diante de alienação parental (Lei 12.318/2010), que é uma forma de abuso emocional e pode gerar sanções, inclusive inversão de guarda.
Abandono afetivo e responsabilidade civil: O pai que, além de não pagar pensão, se ausenta da vida do filho pode ser responsabilizado por abandono afetivo, com indenização por dano moral com base nos arts. 186 e 927 do Código Civil. Essa responsabilização, no entanto, depende de prova de que houve omissão grave no dever de cuidado e prejuízo ao desenvolvimento emocional da criança.
Equipe Brüning