A Lei Maria da Penha e as Uniões Homoafetivas Masculinas

Introdução

O combate à violência doméstica no Brasil acaba de dar um passo importante. Em uma decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que a Lei Maria da Penha também deve valer para relações homoafetivas masculinas (uma vez que a legislação já é aplicável às mulheres), além de casos que envolvem travestis e mulheres transexuais.

O julgamento aconteceu no mandado de injunção nº 7452, em 24 de fevereiro de 2025, já transitado em julgado  e que representa um avanço no reconhecimento de que a violência doméstica não escolhe gênero, identidade ou orientação sexual. Trata-se de um marco na luta por um sistema de proteção mais justo e inclusivo.

A Corte reconheceu a omissão do Congresso Nacional na criação de uma legislação específica para esses grupos e determinou que, enquanto a lacuna aqui mencionada não for preenchida, a Lei Maria da Penha, a principio, deverá ser aplicada para garantir proteção às vítimas de violência doméstica.

Essa decisão representa um grande avanço na tutela dos direitos fundamentais, reforçando que a violência doméstica não se restringe às relações heterossexuais e cisgênero, como antigamente se enxergava. O entendimento do STF conversa com princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a igualdade material (art. 5º, caput) e a proteção especial à família (art. 226, §8º), todos da Constituição Federal.

Diante dessa inovação, o presente artigo irá analisar os fundamentos jurídicos da decisão, a relevância do mandado de injunção, os impactos práticos da extensão da Lei Maria da Penha e, por fim, os desafios futuros na construção de um sistema jurídico mais inclusivo e eficaz no combate à violência doméstica.

O Mandado de injunção e a omissão legislativa apontada pela ABRAFH – Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas

Em um primerio momento, é necessário trazer à baila o tema a respeito do ato normativo que apontou a omissão lesgislativa aqui estudada

O Mandado de Injunção é um instrumento processual previsto no artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal, que tem a finalidade de suprir lacunas legislativas que inviabilizam o exercício de direitos fundamentais. No caso em questão, a Associação Brasileira de Famílias HomoTransAfetivas (ABRAFH) ingressou com o “MI 7452”, junto ao Supremo Tribunal Federal, para questionar a demora do Congresso Nacional na criação de normas que protejam a população LGBTQIA+ da violência doméstica.

O ministro Alexandre de Moraes reconheceu que a omissão legislativa é inconstitucional e que a mera existência de projetos de lei em tramitação não basta para afastá-la. O argumento é que a falta de uma legislação específica deixa as vítimas em situação de grande vulnerabilidade, dificultando a adoção de medidas protetivas urgentes e a responsabilização dos agressores.

Ao decidir pela aplicação da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos masculinos, sempre relembrando que a legislação já é aplicável às mulheres e à população trans, o STF garantiu efetividade ao direito à segurança e à proteção contra a violência doméstica, evitando que essa população continue exposta a um “vácuo jurídico”.

A Lei Maria da penha e a proteção a Grupos vulneráveis

A Lei Maria da Penha fora sancionada no ano de 2006, tendo como objetivo proteger as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, estabelecendo, assim, mecanismos para punir e prevenir agressões físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais. Além disso, a legislação citada ainda prevê medidas protetivas de urgência, como afastamento do agressor, proibição de contato e encaminhamento da vítima a programas de assistência social.

Pode-se destacar que a norma foi originalmente concebida tendo como foco a violência de gênero contra mulheres cisgênero em relações heterossexuais. Com o passar do tempo, houve um crescente debate sobre sua aplicabilidade a outras formas de violência doméstica, especialmente no contexto de relações homoafetivas e de identidade de gênero diversa do sexo biológico.

O STF, ao ampliar o alcance da Lei Maria da Penha, baseou-se no entendimento de que a violência doméstica não se restringe ao gênero feminino biológico, mas sim a relações de poder e dominação que colocam um dos envolvidos em situação de vulnerabilidade, bem como, que as relações homoafetivas masculinas (uma vez que a legislação já é aplicável às mulheres) também podem envolver violência doméstica, com um parceiro assumindo uma posição de subordinação na relação e, por fim, mulheres transexuais e travestis também devem ser incluídas na proteção da Lei Maria da Penha, pois a expressão “mulher” na legislação deve ser interpretada à luz da identidade de gênero e não apenas do sexo biológico.

Fundamentos Constitucionais e jurídicos da decisão ora analisada

A decisão do STF se alinha a diversos dispositivos constitucionais e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Entre os principais fundamentos jurídicos estão: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Princípio da Igualdade, Princípio da Proteção Especial à Família, bem como, a Convenção de Belém do Pará

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, CF), no caso em comento, preceitua que a violência doméstica fere a dignidade da vítima, sendo dever do Estado adotar medidas de proteção eficazes.

No que tange ao Princípio da Igualdade (art. 5º, caput, CF) à luz do caso analisado, se refere a ideia que Constituição garante que “todos são iguais perante a lei”, o que implica a necessidade de assegurar proteção contra a violência a qualquer pessoa em situação de vulnerabilidade.

Ainda, sobrevém o Princípio da Proteção Especial à Família (art. 226, §8º, CF) que assegura que o Estado tem o dever de garantir assistência às vítimas de violência no âmbito das relações familiares. Por fim, e pouco falada, se pode citar a Convenção de Belém do Pará (1994), amparada pelo decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996. O aludido documento internacional, ratificado pelo Brasil, determina a adoção de medidas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.

Além disso, a decisão dialoga com a jurisprudência do STF em favor dos direitos da população LGBTQIA+, como o reconhecimento da união estável homoafetiva (ADI 4.277 e ADPF 132, de 2011) e a criminalização da homofobia e da transfobia como crimes equiparados ao racismo (ADO 26, de 2019).

Entretanto, muito embora a decisão tenha sido unânime, os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Edson Fachin, eu seus respectivos votos, fizeram uma ressalva importante: as medidas protetivas da Lei Maria da Penha podem ser aplicadas a homens em relacionamentos homoafetivos, mas sem a incidência das sanções penais previstas na legislação que exigem que a vítima seja uma mulher.

Isso, na prática quer dizer que um homem vítima de violência doméstica em um relacionamento homoafetivo poderá solicitar medidas de proteção, como afastamento do agressor, mas o agressor não poderá ser enquadrado em crimes que pressupõem uma vítima do sexo feminino, limitando assim, por consequência, a necessidade de uma legislação específica para essas situações.

Conclusão

A decisão do STF, de expandir a aplicação da Lei Maria da Penha à casais homoafetivos masculinos e à população trans, é um marco na luta contra a violência doméstica e reforça o compromisso do Judiciário com a inclusão e a proteção de grupos vulneráveis.

Contudo, a proteção completa dessas vítimas ainda depende da atuação legislativa e da implementação eficaz das novas diretrizes. É fundamental que o Estado e a sociedade civil trabalhem juntos para garantir que absolutamente nenhuma pessoa em situação de violência doméstica fique desamparada, independentemente de sua identidade de gênero ou orientação sexual.

Matheus Baglioni, Advogado da Equipe Brüning





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