A Multiparentalidade no Direito de Família

O Direito segue o fato, e este representa a dimensão social (e histórica) do fenômeno jurídico. Em palavras miúdas, as ações e reações que ocorrem na sociedade acabam influenciando a criação e aplicação das normas jurídicas. Portanto, o fato é a base empírica do direito e ponto de partida para a reflexão jurídica.

A importância de entendermos esse conceito nos remete a muitas situações que, ao longo do tempo, passam a ser reconhecidas e alinhadas às regras jurídicas. Um exemplo marcante é o da questão sobre a multiparentalidade, na qual uma pessoa pode estar ligada, tanto por laços emocionais quanto biológicos, a mais de um pai ou mãe. Esse fenômeno, construído ao longo do tempo na vivência social, passou a receber acolhimento gradual do Direito.

Conceitualmente, multiparentalidade é a existência de mais de um pai ou mãe vinculado a uma criança, podendo decorrer do reconhecimento da filiação socioafetiva. Trata-se da valorização dos laços afetivos como fundamento legítimo da relação parental, ao lado dos vínculos biológicos. Por seu turno, a multiparentalidade é instituto criado pela jurisprudência e não previsto expressamente no ordenamento jurídico atual.

Tal concepção foi reconhecida pelo judiciário em um julgamento paradigmático no Supremo Tribunal Federal, ocorrido em 2016. No Recurso Extraordinário 898.060/SC, o STF reconheceu a possibilidade da multiparentalidade, ou seja, a coexistência de vínculos de filiação biológicos e socioafetivos, declarados ou não em registro público. A Corte valorizou, assim, os laços afetivos, conferindo-lhes eficácia jurídica.

Ainda no conceito jurisprudencial, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo reconheceu, também, em um caso bastante interessante, a multiparentalidade e autorizou que uma criança de 10 anos tenha em sua certidão de nascimento três pais e uma mãe. Tal decisão representa um marco no reconhecimento das diversas configurações familiares.

No caso capixaba, a criança nasceu e foi registrada com os pais biológicos. No entanto, desde os primeiros meses de vida, passou a ser cuidada também pelos tios paternos, que formam um casal homoafetivo.

Com o tempo, a relação se fortaleceu, especialmente após a separação dos pais biológicos, e o menino passou a morar integralmente com os tios.

A família ajuizou um pedido de reconhecimento da paternidade socioafetiva, que foi inicialmente negado na 1ª instância em 2022, cujo entendimento salientou que a mudança no registro só poderia ocorrer via adoção (o que implicaria, por óbvio, o rompimento com o vínculo anterior). Como a família não desejava excluir os pais biológicos, recorreu da decisão.

TJES reformou a sentença e, de forma unânime, autorizou a inclusão dos pais socioafetivos no registro de nascimento da criança, salientando que tal situação pode coexistir com afiliação biológica.

Agora, com a certidão ajustada, a guarda da criança será compartilhada entre os pais biológicos e os pais socioafetivos, garantindo a ela direitos como acesso mais fácil a consultas médicas, viagens e decisões escolares.

Sabe-se que o assunto pode levantar muitas dúvidas, e que cada situação é única, demandando uma análise específica de acordo com as circunstâncias de cada caso, mas, de um modo geral, percebe-se que a multiparentalidade pode existir e que é sempre prudente formalizá-la judicialmente, uma vez que dela decorrem direitos e deveres importantes.

Se, eventualmente, remanescerem dúvidas, é essencial consultar um advogado. O suporte jurídico é fundamental para que decisões sejam tomadas de forma consciente, segura e dentro da legalidade.

Equipe Brüning

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