Nos últimos dias, ganhou destaque na mídia um fenômeno curioso envolvendo os chamados “bebês reborn”. Segundo relato de uma influenciadora digital com formação jurídica, ela teria sido sondada para ajuizar uma ação junto à Vara da Família local, com o inusitado objetivo de se debater a “guarda” de um boneco como se fosse um filho comum de um casal.
De acordo com a influenciadora, um casal procurou seu escritório com o objetivo de ajuizar uma ação envolvendo a disputa pela posse e guarda de um bebê reborn. Além disso, alegaram que a boneca possuía um perfil em rede social com alto engajamento e geração de receita por meio de publicidade, o que exigiria a administração desses rendimentos. Uma das partes também manifestou o desejo de regulamentar juridicamente a “convivência” com a boneca e de impedir que a ex-companheira tivesse acesso irrestrito à “filha”.
Em síntese, além das questões relativas à posse e aos lucros obtidos com a exposição da boneca nas redes sociais, também se pretendia a divisão dos custos relacionados à sua manutenção e ao enxoval adquirido para o “bebê”.
É importante salientar que o hobby de criar bonecas renascidas (reborn) começou na década de 1990, quando entusiastas de tal entretenimento as queriam mais realistas, mais parecidas com os bebês humanos. Desde então, surgiu uma indústria e uma comunidade em torno desses “bonecos renascidos”.
Num primeiro momento e do ponto de vista psicológico, esses “bebês”, muitas vezes, suprem lacunas emocionais, sendo utilizados por pessoas em luto, em tratamento psicológico ou que enfrentam dificuldades para ter filhos. Esse aspecto afetivo pode explicar a motivação de casais que desejam proteger ou “regularizar” a convivência com esses objetos, atribuindo-lhes status quase humano.
Para uma análise jurídica é bom que se diga que a disputa pelo boneco se faz exclusivamente na seara patrimonial e que a conta do Instagram (como noticiado) é tratada como um ativo digital, o que pode ser considerado como patrimônio a ser eventualmente partilhado na dissolução do casal. Portanto, o “objeto afetivo”, por si só e em um primeiro momento, não possui direitos e é tratado como os demais bens e objetos.
Exclusivamente sob o aspecto do Direito de Família, dependendo do regime de bens adotado pelo casal, os bebês reborn adquiridos durante o casamento podem ou não ser incluídos na partilha.
A jurisprudência ainda é escassa sobre o tema, mas há espaço para acordos extrajudiciais que considerem o valor afetivo desses objetos.
Apesar do inusitado, o Direito continua sendo o espelho da sociedade e talvez a guarda dos bonecos hiper-realistas diga mais sobre nossos tempos do que parece à primeira vista. O caso em tela traz à tona um debate sobre os limites do Direito em acolher demandas cada vez mais subjetivas. Em que ponto o Judiciário deve intervir em vínculos simbólicos e afetivos? O que é passível de tutela jurídica e o que deve permanecer no campo privado ou psicológico?
Só o tempo dirá.
Equipe Brüning